segunda-feira, 6 de dezembro de 2010




Medicamentos 



Introdução: o início

Desde tempos imemoriais a humanidade aprendeu a utilizar as propriedades biológicas de substâncias químicas exógenas, em rituais festivos, na cura de doenças e mesmo como veneno. A maioria destas substâncias era empregada em poções, preparadas na maioria das vezes a partir de plantas.
Galeno (129-199 aC), o fundador da Farmácia, divulgou o uso de extratos vegetais para a cura de diversos males, emprestando o nome às formulações farmacêuticas, denominadas fórmulas galênicas. Por volta do século XV, com a descoberta da imprensa, suas teorias foram divulgadas e surgiram os primeiros embriões das farmacopéias, os herbários, reunindo o conhecimento acumulado sobre o uso dos remédios de origem vegetal.
A Humanidade aprendeu a usar as plantas utilizando chás de origem vegetal para curar ou como bebida sagrada, em rituais e festividades pagãs, identificando suas propriedades alucinógenas ou afrodisíacas. De fato, inúmeros alcalóides indólicos ocorrem em plantas empregadas pelos índios em suas comemorações. Muitos dos componentes químicos destas plantas foram identificados, posteriormente, como substâncias extremamente ativas no sistema nervoso central (SNC), como o harmano e a harmina.
Esta atividade central devese à semelhança existente entre suas estruturas e a serotonina, também denominada 5-hidroxitriptamina, um neurotransmissor que possui um núcleo indólico.
Para caçar ou pescar, os ameríndios sabiam empregar poções capazes de envenenar ou simplesmente imobilizar sua presa, sem que houvesse manifestação de efeitos tóxicos ao comê-la. Como exemplo temos as plantas com propriedades ictiotóxicas (substâncias com toxicidade para os peixes), conhecidas pelos índios da Amazônia, que as empregavam como timbós. O curare, alcalóide tetraidroquinolínico originário da flora da América do Sul, inspirou os bloqueadores ganglionares representados entre outros pelo hexametônio.
Talvez uma das plantas mais antigas empregadas pelo homem seja a Papaver somniferum, que originou o ópio e contém alcalóides e substâncias naturais de caráter básico, como a morfina. O ópio era conhecido das civilizações antigas, havendo relatos que confirmam seu uso desde 400 aC. Galeno prescrevia o ópio para dores de cabeça, epilepsia, asma, cólicas, febre e até mesmo para estados melancólicos.
O uso do ópio foi vulgarizado principalmente por Paracelsus, no século XVI, como analgésico. Os estudos químicos sobre o ópio começaram no século XIX, e em 1804 Armand Séquin isolou seu principal componente, a morfina, batizada emhomenagem ao deus grego do sono, Morpheu. Esta substância, com estrutura química particular, tornou-se o mais poderoso e potente analgésico conhecido e em 1853, com o uso das seringas hipodérmicas, seu emprego foi disseminado. A estrutura química da morfina foi elucidada em 1923 por Robert Robinson e colaboradores. Sua síntese foi descrita em 1952, cento e quarenta e oito anos após seu isolamento por Séquin.
Embora reconhecida como poderoso analgésico de ação central, a morfina provoca tolerância, fenômeno que se manifesta pela necessidade de utilizar doses progressivamente maiores para se obter os mesmos resultados. A tolerância pode provocar dependência física, responsável pelas severas síndromes de abstinência no morfinômano. O reconhecimento destas propriedades nocivas fez a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendar seu uso somente em casos específicos, como no alívio das dores de certos tumores centrais em pacientes com câncer terminal.
Entretanto, a partir da estrutura química da morfina, identificaram-se potentes analgésicos centrais de uso mais seguro, representados pela classe das 4-fenilpiperidinas.
A imensa flora americana deu significativas contribuições à terapêutica, como a descoberta da lobelina  em Lobelia nicotinaefolia, usada por tribos indígenas que fumavam suas folhas secas para aliviar os sintomas da asma. A quinina, um dos principais componentes da casca de Cinchona officinalis, há muito tempo era conhecida pelos amerindíos como anti-térmico.
 Este alcalóide quinolínico originou os fármacos anti-maláricos como a cloroquina e mefloquina. Os primeiros anti-maláricos descobertos possuíam em sua estrutura um sistema aza heterocíclíco, inicialmente acridínico (por exemplo, a quinacrina) ou quinolínico, imitando aquele presente no produto natural. Os derivados quinolínicos originais pertenciam à classe das 4-amino ou 8-aminoquinolinas.
A mefloquina, também um derivado anti-malárico que possui o sistema quinolínico, descoberto mais recentemente, tem um maior índice de similaridade estrutural com o produto natural, apresentando em sua estrutura o sistema quinolinil-piperidinometanol, oriundo do esqueleto rubano da quinina, substituído por dois grupamentos trifluormetila em C-2 e C-8. Esta substância foi descoberta no Instituto Walter Reed do exército americano, nos EUA, para ser administrado em uma única dose diária.
O mais espetacular exemplo de complexidade molecular em um produto natural não-proteico é a palitoxina, isolada de corais Palythoa tuberculosa. Em concentrações picomolares a palitoxina é capaz de modificar significativamente a permeabilidade de cátions pela membrana celular, atuando, aparentemente, como uma ATPase de membrana, inibindo a bomba de Na+/K+.

O modelo chave-fechadura

A ação biológica das substâncias exógenas no organismo intrigou inúmeros pesquisadores desde há muito tempo. Entretanto, foi Emil Fisher quem formulou um modelo pioneiro, capaz de permitir uma racionalização dos efeitos das substâncias, exógenas ou não, no organismo. Este modelo, conhecido como “chave-fechadura”, contém um conceito fundamental que até hoje vigora, a despeito dos seus 100 anos (Figura 8). Fisher definiu que as moléculas dos compostos ativos no organismo seriam chaves, que interagiriam com macromoléculas do próprio organismo (bioreceptores) que seriam as fechaduras. Desta interação chavefechadura teríamos a resposta farmacológica de substâncias endógenas como, por exemplo, a serotonina, ou de fármacos, como por exemplo, o ácido acetil salicílico (AAS). Embora centenário, o modelo de Fisher antecipava o conceito de complementaridade molecular que existe entre o fármaco e seu receptor. Desta forma, conhecendo, como se conhece, em quase todos os casos, a estrutura do fármaco (a chave) e sabendo-se quais grupos funcionais estão presentes em sua molécula (os “dentes” da chave) poder-se-ia “compor” a topografia provável, aproximada, do bioreceptor (a fechadura). Portanto, onde na chave temos uma reentrância, na fechadura teremos uma protuberância, complementar, e assim por diante.
Em termos moleculares, se consideramos a molécula do AAS, identificamos sua fórmula molecular C9H8O3, que comporta três grupos funcionais, a saber: a) o grupamento ácido carboxílico; b) o grupamento acetila; e c)o anel benzênico. Sabendo-se que o ácido carboxílico presente no AAS é um ácido benzóico, podemos antecipar que no pH do plasma (7,4) este grupamento estará ionizado, na forma de carboxilato, apresentando uma carga negativa formal. Por complementaridade, identificamos que, provavelmente, no sítio receptor este grupamento interagirá com um aminoácido carregado positivamente, representando uma interação iônica.
Da mesma forma, o segundo grupamento funcional identificado na molécula do AAS, o grupamento acetila, poderá interagir com o sítio receptor através de ligações de hidrogênio (ligações- H), em que a carbonila ou o átomo de oxigênio serão aceptores de hidrogênio e o sítio receptor, conseqüentemente, doador de hidrogênio.
Finalmente, o anel benzênico, com seis elétrons p no seu sistema aromático planar, participará na interação com o sítio receptor através de frágeis interações do tipo hidrofóbica, envolvendo
estes elétrons e definindo uma topografia plana complementar neste sítio.
Este raciocínio pode explicar a ação dos fármacos, ainda que de forma abreviada, desde que a quantidade adequada (dose) atinja os bioreceptores.
Ao estudo das interações moleculares entre os fármacos e seus bioreceptores, denomina-se de fase farmacodinâmica de ação. Ao “caminho” percorrido pelo fármaco no organismo,
até atingir o sítio receptor, denominamos de fase farmacocinética. Esta
fase compreende a absorção, distribuição, metabolização e eliminação do fármaco. O estudo da fase farmacocinética é essencial para determinar-se a dose do fármaco a ser administrada, e a sua freqüência, ou seja, a posologia.
Temos a tendência de acreditar que o organismo recebe com hospitalidade os fármacos; entretanto, se considerarmos o pH do trato gastro-intestinal
no estômago (~1,2), veremos que a “recepção” que o organismo faz aos fármacos administrados por via oral não é, de forma alguma, hospitaleira.
Assim, princípios ativos, i.e. fármacos lábeis em pH ácido, não podem ser administradas por via oral sem que estratégias adequadas de formulação farmacêutica sejam adotadas, de maneira que a forma farmacêutica (medicamento) resista à passagem pelo estômago, favorecendo a liberação do princípio ativo no intestino, onde o pH não é ácido. Desta forma, pelo estudo da fase farmacocinética, pode-se determinar a melhor forma farmacêutica de um fármaco em função da via de administração eleita. Igualmente, toda substância exógena, fármaco ou não, denominada xenobiótico, sofre metabolização no organismo, geralmente a nível hepático, por ação de enzimas oxidativas.
Dependendo dos grupos funcionais presentes na molécula de um fármaco, pudesse antecipar, teoricamente, quais poderão ser seus principais metabólitos, e não raramente, prever-se seu potencial tóxico. Outros órgãos são capazes de metabolizar os fármacos, tanto que
o plasma pode promover hidrólise de ésteres ou amidas, pela presença de esterases e amidases. Geralmente, o caminho metabólico que predomina é o hepático, capaz de reduzir significativamente o coeficiente de partição do composto que é a relação de solubilidade óleo/água, permitindo sua eliminação renal pela urina.

Planejamento racional de fármacos

 
O modelo chave-fechadura sugere ainda que, conhecendo se a estrutura do bioreceptor, eleito como alvo terapêutico adequado para o tratamento de uma patologia pode-se, por complementaridade molecular, “desenhar” uma molécula capaz de interagir eficazmente com este receptor, permitindo seu planejamento estrutural. Esta estratégia de desenho planejado de bioligantes, geralmente emprega técnicas de química computacional (computer assisted drug desing, CADD), onde a modelagem molecular é ferramenta extremamente útil.

Entretanto, quando a estrutura do bioreceptor não é conhecida, pode-se utilizar como “modelo” molecular seu agonista ou substrato natural, que adequadamente modificado pode permitir a construção molecular de novos inibidores enzimáticos, novos antagonistas ou agonistas de receptores, dependendo da necessidade, definida pela escolha do alvo terapêutico.Esta árdua tarefa é realizada pela química medicinal4, sub-área que têm observado significativo desenvolvimento no país.

Alunos: Cássia Franco E Cristiano Oliveira
Série: 3º A
Escola Estadual Sérgio de Freitas Pacheco
Matéria: Química
Professora: Miramar

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